
Parque Imbuí
Teresópolis, agosto.2014 - edição 0004
O Rio de Janeiro era um amor novo e estava entrando na minha vida na data em que fazia 19 anos. Foi um presente maravilhoso embrulhado nos meus devaneios, naquilo que ouvia falar, nos anseios que todo garoto da minha idade nutria pela capital federal, que só se podia alcançar ou por navio ou por avião.
Mas mesmo assim tudo isso ainda não era suficiente para substituir a bagagem vivida pela minha pouca existência, toda ela passada na provinciana Belém do Pará.
O retorno foi inevitável. Início de 1954, tempo de carnaval, viajando por 12 horas num Douglas DC3 da companhia Cruzeiro do Sul senti novamente o cheiro gostoso da terra paraense penetrando nas minhas narinas, percorrendo meu corpo, me deixando em estado de êxtase.

Saudade: olha ela aí - 2
Era um reencontro depois de dois anos de angústias e expectativas. O calor da terra, as carícias do vento abundante nas proximidades do aeroporto me deram alma nova. Naquele momento eu era um paraense feliz.
A permanência seria de um mês. Fernando - meu irmão - e eu, íamos a toda parte. Ele me colocava a par de todas as notícias, por onde andavam os amigos comuns, participava das visitas sociais e fomos até a um baile de carnaval na Tuna Luso e Comercial, onde veio a conhecer Helena, moça com quem se casaria no ano seguinte.
Acredito mais nas circunstâncias do que na predestinação, embora reconheça que aqueles que acreditam nesta sempre poderão dizer que aquelas aconteceram porque estavam predestinadas. Houve o encontro de Fernando com Helena e também uma visita social que tive de fazer à 'casa grande', como era conhecida a maior casa da rua Conselheio Furtado, onde o patriarca daquela família - 'seu' Gumercindo - me pediu para entregar ao filho dele - Antônio - uma encomenda no Rio de Janeiro. Minha vida iria mudar depois deste episódio. Vão dizer: "Taí, estava predestinado... Não falei?" É, pode ser!
Ao regressar ao Rio de Janeiro, fui fazer a entrega da encomenda. Cidade de Niterói, que eu ainda não conhecia. Fim de semana, sábado, quando na Marinha se trabalhava até o meio-dia. Peguei uma barca da Frota Barreto e no centro de Niterói peguei o bonde. Saltei no Cubango, rua Vereador Duque Estrada n. 36. Era uma casa de paraenses. Três moças: Osvaldina, Maria Nazarena e Yeda, a mãe delas - d. Amélia, Antônio Freire (a quem se destinava a encomenda) e sua mulher, Ruth Freire, mãe de Ana Ruth, minha atual mulher. Aquele encontro foi o máximo. Era o Pará em Niterói, dentro do Rio de Janeiro. Era a minha redenção. Minha vida se iluminou.


Ali naquela casa com aquelas pessoas, estava começando a nascer, crescer e fincar no Rio de Janeiro as raízes da minha permanência. Dali iriam brotar meus filhos, minha nova família, meu destino.

Tinha uma namorada, coisa de garoto, embora até hoje não tenha esquecido seu nome: Aurora - pessoa com quem nunca mais me encontrei. Osvaldina também tinha namorado, cujo nome tampouco me esqueci: Giovane. O convite para uma festa de aniversário no Rio de Janeiro era só para mim. Vinha de uma pessoa amiga que, também paraense, não se incomodou que eu levasse tanto a Osvaldina quanto a Aurora. Esta, namorada. Aquela, uma paixão que começou a se desenvolver a partir daquele dia, provavelmente com o efeito afrodisíaco do pato no tucupi e outras guloseimas mais, vindas de vião do Pará.
Durante a recepção cismei de dar na boca da Osvaldina um pouco dos quitutes. Aurora, próxima, observou, não gostou e me despachou na hora, saindo da festa.
No regresso, no ponto do ônibus em direção às barcas, me aproximei de Osvaldina e lhe falei da minha paixão. Fiquei temeroso. Afinal, havia o Giovane. Meu olhar firme e apaixonado foi decisivo. Ela me pediu apenas que esperasse seu último encontro para ficar livre. Ano: 1955. O casamento só viria a se consumar em 1960.

Naquela época, uem quisesse se encontrar comigo nos fins de semana teria que ir a Niterói. Com o passar do tempo, às segundas. Depois também às terças. E quartas. E quintas. Até que ganhei o apelido de 'Grude'. Isso se chama paixão. Estar apaixonado é ser exagerado, irracional. É tornar o mundo pequeno, circunscrito à pessoa amada. Tudo o mais perde significado. Aluguei um quarto na casa dela e passei a morar lá.
Ela trabalhava na Standard Eletric, no centro do Rio. E eu, marinheiro, já especialista em eletrônica pela Marinha, continuava ganhando pouco. Não dava pra me casar, a não ser na irresponsabilidade.
Yeda, bem mais nova que Osvaldina, começou a namorar um filho de austríacos: Ludwig. Três meses depois aconteceu o noivado com a pompa e circunstância própria da época. Os pais dele vieram em casa pedir a mão dela para formalizar o noivado. Osvaldina chorou muito naquela noite. Nosso namoro já durava mais de dois anos, a irmã ficando noiva com data de casamento marcada e eu falando que o dinheiro não dava. Parecia desculpa de solteirão.
Falei: "Quando acontecer nosso casamento, será para a eternidade. Não consigo me ver vivendo a vida sem você."
Morte, tu me desmentiste. Por que fizeste isso?
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Maurício Pinheiro
é reformado da Marinha de Gerra do Brasil e comerciante

