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Caminhei em direção ao fundo do quintal, passei pela piscina - agora no inverno, abandonada -, pela senzala dos escravos, chegando então ao canil da Hirra e do Fido, dois pastores alemães, que ficaram alegres com minha aproximação, latindo e abanando suas felpudas caudas.

Brinquei com eles e, olhando em torno, vi nossa rede que ali ainda estava atada. Maria Lia se esquecera de tirar. Fui até onde a rede estava presa, entre duas velhas árvores, e recostei-me com prazer. Assim recostada, via um pouco do céu cinza rodeado de núvens. Gostei de estar ali. O farfalhar das folhas chegava a mim. O vento frio fez-me enrolar as beiras da rede, aquecendo-me bem.

Tudo estava em silêncio, pensei. Queria lembrar-me de algo para passar o tempo. Não pude. Um doce torpor começou a envolver-me. Queria abrir os olhos, não podia, sentia-os pesados e sonolentos. E cada vez mais parecia estar num outro espaço de tempo.

De repente vi alguém aproximar-se, a poucos passos de minha rede, para olhar-me com curiosidade. Ergui-me e qual foi minha surpresa? A poucos passos estava Olegário Mariano, tendo ao seu redor uma linda garotinha de cabelos fartos, castanhos claros. Ela também me olhava e, junto a ela estavam outras garotinhas.

- Dr. Olegário? - balbuciei surpresa - está aqui?

- Sim. - respondeu. - Vim fazer-lhe uma visita e trago minha filha pra você conhecer. Lembra-se da criança que sofreu um desastre de trem? Pois bem, era ela. Agora estamos juntos.

- Que bom! - disse-lhe eu, mal podendo crer no que via e ouvia.

- Gostaríamos de dar uma volta pelo quintal, para relembrar meus tempos.

- Quer ver o casarão primeiro?

- Não. - disse ele. - Já estivemos lá. Vamos passear. Estou com saudades do jardim, do quintal.

Dirigimo-nos para a passagem da primeira ponte sobre o rio, que vai direto à horta.

- Lembra-se, dr. Olegário, que aqui ficava o grande pântano, cheio de cobras e mosquitos?

- Lembro-me, sim. Sempre tive vontade de fazer isto. Não tive tempo. Mas gostei do que você fez, obrigado.

- A criançada tagarela misturava-se entre os pés dos tomates, laranjeiras, limoeiros e nos pés de chuchus, que pareciam uma casinha verde, onde elas brincavam.

Só se ouvia o farfalhar das folhas secas e a tagarelice da criançada, além de minha voz e a de Olegário, que, com surpresa, olhava tudo como se quisesse guardar bem guardado aquilo que via do seu quintal.

 

Tudo era silêncio, tudo quieto, como se só nós estivéssemos ali naquele momento mágico. Passamos pelas velhas fruteiras, pelo pé de capim da estrada, para o qual chamamos a atenção de Olegário, pois ele gostava muito desse chá.

Finalmente atravessamos o vasto gramado verdinho e chegamos ao pé do sapotizeiro que Olegário Mariano havia plantado no seu tempo aqui na terra. Ele tinha lágrimas nos olhos ao olhar para a pequenina árvore.

As samambaias - as minhas samambaias - lhe trouxeram vastas recordações de quando ele, sentado na grande varanda, recitava seus poemas para elas.

Uma visita de Olegário Mariano

Dizia ele a Dona Maria José, esposa de Barbosa Lima, seu grande amigo, que as samambaias ficavam mais belas, porque gostavam de suas poesias.

- Aqui, Dr. Olegário, já existiu uma grande gaiola de pássaros? Que eram apresentados ao senhor? E a estátua de uma cigarra perto do portão? E na entrada da varanda duas pinhas portuguesas? É verdade?

- Sim, respondeu ele com voz um tanto tristonha.

- Uma pena. - disse-lhe eu - Gostaria de ter visto tudo isto como era.

- Por isto não seja. - respondeu-me ele - No mundo místico tudo é possível. Se você crer, você pode ver e sentir. Olhe outra vez.

Qual não foi minha surpresa! Tudo o que Olegário falou, como por encanto, estava diante de meus olhos...

Senti uma grande emoção. Senti que estava em um outro espaço, num outro mundo que não era o meu.

 

- Obrigada. - disse-lhe eu - Já vi aquilo com o que mais sonhava.

Chegamos assim à época atual, onde o passado desaparecera completamente.

As crianças haviam sumido. Ele também foi desaparecendo aos poucos. Seu rosto sorria para mim, num sorriso amigo e gentil.

Bruscamente fui despertada de meu torpor e senti minha rede balançar suavemente, como se fosse um adeus de Olegário.

***

 

Donna Benchimol

é advogada e atualmente mora em Paris

Texto extraído da Revista do Clube Militar de nov.2001

Dia invernal. Em Teresópolis, a 'Toca da Cigarra' estava envolvida por núvens acinzentadas que cobriam um aspecto místico do velho e sombrio casarão, que pertencera a Olegário Mariano - o 'Príncipe dos Poetas'.

Apesar do friozinho que fazia, decidi dar uma voltinha pelo jardim, pela horta e pelo pomar. Aproveitei o momento para sonhar um pouco, pois esse fim de tarde estava esplendoroso. Como meu lanche seria mais tarde, eu tinha que fazer esse passeio e divagar um pouco.

De jaqueta de couro forrada da pele de imitação de astracan, sentia-me bem aquecida. Abri a velha porta colonial e encontrei-me na grande varanda cercada de samambaias e do velho jarmineiro.

 

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